# 5 - Vena Amoris
Exercício de escrita 3: "Eu queria saber o gosto do seu poder e tinha gosto de ferro."
Mordi sua boca. Ele hesitou, mas não parou — aquilo o excitou. Fez mais força, virou a cabeça de lado. Eu sentia seu pescoço, a veia pulsando como algo enterrado que queria subir à superfície. Mordi novamente. Com força. Ele xingou e saiu de mim, confuso. Senti algo nojento entre as pernas. Olhei e vi as calças no tornozelo, o penduricalho entre suas pernas parecia uma luva descartada pós-cirurgia, eu me controlei para não rir; o observei passar a mão na boca, os dedos saíram vermelhos como unhas de puta. Seu olhar era o de uma criança que acabava de descobrir que o cachorrinho que ele provocava morde. Não pedi desculpas. Apenas saboreei. Eu queria saber o gosto do seu poder e tinha gosto de ferro, de moeda esquecida no bolso, de aliança suja. A marca já começava a aparecer, roxa, acima do colarinho branco. No dia seguinte, ele tentaria esconder. Gola alta. Cachecol ridículo. A esposa notaria e fingiria que não via. Os filhos perguntariam. Ele mentiria. Uma vida inteira. Dentes. Sangue. Ruína.
Às terças, ele vinha; sorriso vulgar, vigilância de predador. Depois daquela noite, ele sumiu. Pela manhã, ela já tinha partido. Restou apenas o corpo. Quinto andar. Os papéis.
Lembro do primeiro dia no hospital, a enfermeira nos acompanhou até o quarto. Minha mãe andava lentamente, apoiando-se em mim. Naquela fase, ainda havia esperança; era possível ver em seus olhos que ela acreditava no que a enfermeira dizia, que ia sair dali, que tudo ia ficar bem. A enfermeira ligou a pequena televisão e disse que ia nos deixar à vontade. Sentei-me na poltrona bege que se transformava na cama onde eu passava os dias de visita. Assistimos à televisão até ela dormir. No dia seguinte, acordei primeiro e me arrumei para ir trabalhar.
Na segunda semana, quando a beijei para ir embora, ela tirou o anel que eu nunca vira fora de sua mão e, com os dedos manchados, começou a testar os meus. Tentou meu polegar direito, depois o esquerdo, e continuou. — Você cresceu tanto... — a voz era de papel. O metal gelado encontrou o dedo certo, e um calafrio percorreu meu corpo. — Guarda para mim? — ela pediu. Fiz que sim com a cabeça.
Depois de uma semana ali, foi a primeira vez que o notei. Terça-feira. No elevador. Ele segurou a porta, o jaleco branco emoldurando seu sorriso ainda mais branco. Comentou sobre meus olhos. Levantei a mão esquerda e mostrei o anel. Seu olhar o atravessou.
— Vena amoris — ele disse
— vai direto ao coração.
Ele segurou a porta novamente e me deixou passar.
— Quinto andar — ele disse.
— Bom saber.
Seu sorriso permaneceu por um instante antes de a porta se fechar. Depois disso, toda terça. Uma presença constante na cafeteria, junto com o cheiro do café requentado.
Agora. Escritório. É quinta-feira, o primeiro dia desde que ela se foi, e David, o diretor-geral, projeta os números. Quarter fechado, metas batidas. Primeiro dia depois da solidão completa. Três dias de luto oficial, mais dois em que ele insistiu. Eu poderia ter emendado mais essa semana se quisesse, mas não quero. O ritual começa. — Luciana, nossa mais nova diretora. Eu me levanto. Palmas. O luto sobe — não preto, mas bege-hospitalar, marrom do café requentado. David me abraça. Demora. Perfume caro. Aperta minha mão. O anel dói entre meus dedos.
Também tenho meu teatro. Lucas, ele e eu entramos no mesmo dia e ele já me conhecia de vista da faculdade. Na cafeteria, no primeiro dia ele diz: — Eu te conheço, não? O erro foi admitir que sim. Desde então, seus olhos estão sempre colados em mim. Ele conta meus passos. Cataloga. Vigia. Enquanto mergulho o saquinho de chá na água quente, posso sentir que ele conta. Eu passo em sua mesa:
— Parabéns, coordenador. Eu queria ser a primeira a te dar a notícia, vão anunciar mais tarde.
Registro suas microexpressões. Ele fica obviamente sem entender o que acontece. Ele entrega tudo no último minuto, mas o trabalho é sempre impecável. Para os outros, finge que não gosta dali, mas não conhece outra vida. Agora, terá que decidir. Eu o puxo para o meu mundo.
Mais tarde, na sala Copacabana, eu o chamo. Não levanto os olhos quando ele entra.
— Lucas, fecha a porta, por favor.
O ar-condicionado sibila. Uma mosca presa na luminária, zumbindo. Trinta segundos. Quarenta. O silêncio fermenta.
— Os números da Morgan, Lucas. Preciso ainda hoje.
— Morgan levou o contrato para a concorrência no mês passado.
— Eu sei. Três segundos de contato visual. Volto à tela.
— Vai ser um desafio interessante. Silêncio.
— Algum problema?
— Nenhum.
— Ótimo. Confirma o happy hour com a equipe. Dezenove horas. Ele anota.
— Vamos precisar revisar uns números antes. Pode ficar?
— Claro, Lú.
— Luciana.
O cursor pisca na tela. Metrônomo digital. Ele levanta. Antes que feche a porta:
— Lucas? Parabéns pela promoção.
— Obrigado... Luciana. Mensagem no Slack: Happy hour, 19h no Sancta. Cascata de emojis. Abro meu e-mail e vejo o rascunho esperando para ser enviado.
Assunto: Convite - Missa de 7º Dia
Nome: Cecília Ferreira
Data: 08/06
Horário: 18h00
Local: Paróquia Nossa Senhora da Saúde Não envio o email.
Na terça em que tudo mudou, dormi na poltrona e sonhei ou me lembrei: meu pai de costas, andando entre as pessoas. Estiquei meu braço e segurei sua mão. Não era ele. O estranho riu, mas não soltou minha mão, falou alguma coisa e riu de novo. Minha mãe apareceu correndo e me puxou com força. Ela apertou meu braço, e o anel marcou fundo. Eu tinha seis anos.
Acordei com seus gemidos; o remédio estava perdendo o efeito. Chamei a enfermeira, que veio, trocou o soro, a medicação e disse, como sempre, que tudo ia ficar bem. Nem ela acreditava mais no que dizia. Minha mãe estava de olhos abertos, tentando falar algo. Aproximei-me, ela segurou minha mão e tentou puxar o anel.
— Me devolve o anel, me devolve o anel… — ela repetia.
Puxei minha mão e me afastei enquanto a enfermeira verificava a dosagem.
— Ele nunca deveria ter dado para você… Não era seu… Era meu…
Aquilo me trouxe outra memória. O mesmo homem ou era outro? Ele (meu pai?) tirou um anel e testou meus dedos até deixá-lo no meu polegar. — Um dia vai servir aqui — ele disse, encostando a ponta do dedo no meu anelar e traçando um caminho até meu peito.
— Direto para o coração.
Quando ele se foi, minha mãe segurou minha mão e tirou o anel do meu polegar. Colocou-o na mão dela.
— Isso não é seu.
Mordi sua mão. Ela revidou e bateu em meu rosto com força. Chorei por dias. Até esquecer. Ela nunca pediu desculpas.
Saí do quarto. Lágrimas escorriam pelo meu rosto. Café requentado no corredor, copo de isopor, gosto de morte institucional. Ele me encontrou no corredor, como sempre fazia. Mas naquela noite eu não resisti. Sala de suprimentos. Porta trancada. Enquanto ele se divertia com meu corpo, eu pensava em minha mãe no quinto andar, disputando oxigênio com as máquinas. Sua boca procurou a minha. Eu sentia a veia pulsar em seu pescoço. E então, mordi.
Não voltei ao quarto naquela noite. Pela manhã, ligaram.
Agora, são sete e meia, e não há quase ninguém em suas baias. Só nós dois em nossa área, planilhas abertas, uma simulação de trabalho. Avalio por um segundo se já é hora. Ainda não. Levanto-me e vejo que seus olhos se voltam para mim, sem que ele vire a cabeça. Vou ao banheiro, removo o blazer e o coloco na bolsa. Fico apenas com o vestido preto que reservei para o dia. Lavo o rosto, arrumo o cabelo e mudo a cor do batom. Chega a hora. Chamo um táxi pelo aplicativo e passo pelo corredor, onde ele pode me ver. Faço um gesto para ele. Vejo a surpresa em seus olhos. Eu o pego olhando para minha perna pelo recorte da saia enquanto ando. Entro primeiro e seguro o elevador.
Quando chegamos ao Sancta, está chovendo. Lucas sai do carro e dá a volta para ficar ao meu lado. Ando devagar, deixo a chuva nos molhar. Ele me acompanha; quer correr, mas resiste. Chegamos encharcados. Alguém faz uma piada:
— O casal, finalmente!
No Sancta, peço vinho tinto. A garrafa toda. Em seus olhos, vejo que ele não acha apropriado. Ele pede uma cerveja. Não demora muito até que, um por um, os outros vão embora: "Filhos", "compromisso", as desculpas de sempre. Fico bebendo meu vinho e marcando a borda da taça com meu batom. Ele finalmente percebe, olha para a minha boca e noto seu olhar de reprovação. Quando ele percebe que eu percebi, desvia o olhar. Encho novamente a taça. Giro o anel no dedo. Uma vez. Duas.
— Lucas, você sabe por que eu te promovi?
— Não…
— Gosto de como nada lhe escapa, como você está sempre atento a todos os detalhes.
— Está tarde.
— Ele começa a se levantar, seus olhos procurando o garçom.
— Creio que está na hora de irmos também, não?
Toco sua mão e o sinto derreter. Ele se senta novamente.
— Achei que não gostasse de mim — ele diz.
— Por que acha isso?
— No começo, éramos próximos. Fazíamos tudo juntos, depois você foi se afastando.
— Qual é o perfume que eu uso?
— Hã?
— Sei que você sabe. Qual é?
— Sério mesmo, acho que precisamos ir embora. Ele sabe que não há segredos em um open office. Eu o vi comprando perfumes femininos online enquanto deveria estar trabalhando. Eu o vi pesquisando o meu perfume. Dali se vê tudo: cada tela, cada movimento, cada respiração mal disfarçada. Vejo seu rosto mudar de tom, cada vez mais vermelho.
— Sabe do que eu me lembro? Lembro que você dizia que trabalhar lá seria temporário, que nunca quis atuar numa empresa daquele tipo e que logo estaria longe dali. Por que você ficou, Lucas?
A resposta é óbvia demais, e ele não responde. Peço a conta. Pago com o cartão corporativo, sem olhar o valor. No caminho até o metrô, ele, ainda assim, decide me acompanhar. Paro, encosto na parede e olho para ele. Ele olha de volta. Não sabe o que fazer.
— Covarde.
Aproximo-me dele e vejo que seus olhos estão cheios de lágrimas.
— Qual é o meu perfume?
Lucas me puxa e beija minha boca. Não me movo, não fecho os olhos, não retribuo. Permaneço imóvel como uma boneca.
— Não sou covarde.
— Então me diz, qual é o meu perfume?
Ele tenta de novo. Lábios mortos.
— Luciana…
— Conseguiu o que queria? Agora, ele chora alto.
— Me desculpe, eu… eu…
— Eu sei.
— Elie Saab Le Parfum. Limão e cedro. Depois, jacinto. — As palavras saem entre soluços.
Deixo-o chorando, encostado na parede. Caminho na chuva sem olhar para trás. Imagino-o em casa, jogando o frasco de perfume na parede, cercado de vidro quebrado e do meu cheiro em suas paredes.
Na segunda, passo na minha antiga mesa para pegar minhas coisas e limpá-la para Lucas. Ele não está. Na gaveta, encontro uma receita médica: "Quinta às 18h. Te espero!". Amasso o papel e o coloco no fundo da gaveta. Tiro o anel. A marca branca na pele parece uma acusação. Deixo-o lá. Flexiono os dedos.
Final do dia. Sala nova. Um envelope chega pelo malote. Nada escrito. Na porta, três batidas, e ele entra. David tem esse hábito de não esperar — outro homem que confunde invasão com intimidade. Ele pede uma apresentação para a semana seguinte e se vai. Abro o envelope e despejo seu conteúdo na mesa. O anel cai e gira por um tempo antes de parar, pequeno, gasto. O crachá de Lucas também cai. Vejo a foto, com o rosto exatamente de quando nos conhecemos. Coloco o anel de volta no meu dedo e saio.
Eu chego e entro na igreja de Nossa Senhora da Saúde. Vou até o banco do fundo e me sento, a igreja vazia.
Um homem grisalho aparece e senta-se ao meu lado. Eu o sinto olhando para minha mão, olho e reconheço a sombra de minhas memórias.
— Você ainda o usa? — ele diz, tentando segurar minha mão
Puxo minha mão antes que ele me toque. Tiro o anel. A marca branca é como uma marca de dente na pele. Eu o solto no banco entre nós e me levanto. O anel rola e cai no chão e o som ecoa pela igreja vazia.
— Não. Era dela. Ela pediu para eu guardar. Agora, eu o devolvo para você.
Saio da igreja para a luz do dia. Flexiono meus dedos, agora leves. Pela primeira vez em anos, sinto o sol em meu rosto, o ar que respiro não tem cheiro de nada, em minha boca não há gosto de nada, nenhum peso, nenhuma pressão. Agora é apenas... terça.